A supremacia da Corte

Suellen Escariz
3 min readMay 7, 2021

A expressão é imponente por si só. Uma corte suprema, um conjunto de julgadores que operam em total e incontestável superioridade, hegemonia, primazia, preponderância. O poder de decidir e ser a última palavra, o poder de mudar decisões que foram repetidas vezes declaradas.

Uma corte suprema que muda os rumos da respectiva nação, uma supremacia de decisão que altera parâmetros e destinos, que defende uma democracia que não a escolheu, que diz o direito com voz determinante.

É possível falar sobre essa supremacia de uma corte sem citar um país específico, e com os elementos gerais que a determinam, podemos tirar conclusões, entender como funcionam e os princípios que as regem.

Em Portugal, por exemplo, o papel de última instância é realizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto que a proteção da constituição, o controle de constitucionalidade é realizado pelo Tribunal Constitucional, apesar de também ser uma escolha dos representantes dos outros poderes, o mandato de cada membro é limitado no tempo. Já nos EUA, a Suprema Corte tem sua previsão também na Constituição, com mandato vitalício para os membros, que são também escolha dos outros poderes.

O caso do Brasil não é muito diferente, possui membros vitalícios (limitados pela idade e a regra de aposentadoria compulsória), que foram escolhidos pelo Poder Executivo sob sabatina do Senado Federal, portanto, também uma nomeação que nasce dos outros poderes.

A leitura da Constituição demonstra que a escolha de julgadores incontestáveis não fica a cargo da população, e isso provavelmente se deve à necessidade de conhecimentos técnicos para o bom exercício da função (apesar de no Brasil não ser exigida a formação em Direito).

O princípio dos três poderes pressupõe que cada um será responsável pela própria função e também por fiscalizar os desempenhos dos outros poderes. E neste momento, compreende-se que aqueles que escolheram serão julgados por seus escolhidos. Compreende-se também que as decisões que definem a constitucionalidade de todo o ordenamento jurídico são pautadas por princípios e valores característicos de governos passados.

É possível concluir que a população escolhe representantes para exercer dois dos poderes da República, e, mesmo que no futuro decida diferentemente nas urnas, continuará atrelada a uma corte constituída por um executivo/legislativo do passado.

Os diferentes aspectos merecem ser analisados, a reflexão acerca das influências das decisões e até mesmo das verdadeiras competências de tal corte também deve ser mais bem esclarecida para a população. O limite de sua atuação, as matérias que podem ser decididas, e abrangência dos efeitos das decisões, todos os pontos relacionados estão expostos nos artigos 101 a 103-B da Constituição da República Federativa do Brasil.

É importante compreender o que realmente diz a Constituição, compreender as regras para entender o que se enquadra ou não, tanto para não acreditar em tudo que outras pessoas podem dizer, como, principalmente, para conseguir tirar as próprias conclusões e obter esclarecimentos.

O que muitas vezes falta às pessoas é estabelecer uma opinião verdadeiramente justa. Justiça feita não é obter o que se quer ou entende ser direito, ou ainda algo que esteja de acordo com a própria ideologia. Justiça feita é aplicar a regra independentemente de quem seja a parte. Justiça feita é o julgamento imparcial, julgamento que segue a lei e princípios e não se deixa influenciar ou muito menos tenta enquadrar as leis dentro dos próprios princípios. A justiça é feita quando se cumpre o que a democracia defende por definição e estrutura.

Acima de todas as questões práticas, das competências e definições técnicas, o que se espera de uma Corte Suprema é que ela seja verdadeiramente justa, que seja composta por julgadores comprometidos com o que é justo e direito, comprometidos em aplicar uma lei que seja igual para todos, que produza segurança jurídica para a nação.

Há tempos, o povo trocou juízes por reis, depois trocou reis por repúblicas, o ser humano procura diversas maneiras para obter justiça, e a grande maioria delas falha. A reflexão maior fica por conta dos princípios que regem as escolhas que uma nação faz, os frutos que são colhidos pelas pequenas e grandes escolhas diárias. A verdadeira justiça nasce quando a população realiza suas escolhas tendo por base princípios e valores que a regem, as consequentes mudanças se operam em um tempo não determinável, mas os frutos das escolhas são colhidos por muitos anos. É preciso estar atento ao que se faz e não ao que se fala.

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